terça-feira, 19 de agosto de 2014

Histórias de quem está vencendo o vício

A dependência química é uma doença que não tem cura. Apesar disso, há exemplos de quem está superando o vício. Em muitos casos, trabalham na prevenção e recuperação de outros dependentes

O caminho do crack é de pedra. É pedra no percurso, difícil e doloroso, é pedra nos pedaços queimados no cachimbo, que atingem o cérebro em até 15 segundos. E já abriu chão pelo Interior. No Ceará, a droga está em 75,5% dos municípios, e em 39% do Estado os problemas relacionados à sua circulação estão avaliados em nível alto, segundo o Observatório do Crack, iniciativa da Confederação Nacional de Municípios (CNM).
 No caminho, o crack vai levando milhares. A estimativa mais completa e recente, datada de 2013, totalizou 350 mil usuários no Brasil, conforme a Fiocruz. Nesse caminho, passaram Guilherme, Hélio e Joana (este, fictício). São histórias que nunca se cruzaram, mas carregam tantas semelhanças - delitos, noites na rua, internações, sofrimento familiar. A droga leva a esperança, até que eles conseguiram sair do trajeto. A dependência química é incurável, mas hoje eles estão limpos e contam suas histórias em O POVO.
 Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em dependência química e doutora em Enfermagem Psiquiátrica, Amanda Reinaldo, na recuperação há o consenso internacional de que o relacionamento interpessoal, ou seja, a atenção individualizada, tem papel importante no tratamento do dependente químico.
 Ela ressalta o apoio da família com parceira. “Mas ela só vai ‘agir de forma adequada’ se tiver apoio, orientação e atendimento dos serviços de atenção da rede de saúde, de assistência social e jurídica”. A compreensão de que a dependência química é uma doença também é importante, principalmente no que concerne a redução do estigma e preconceito que o usuário de drogas sofre.
 O tratamento involuntário divide opiniões em todo o mundo. A especialista afirma que estudos preliminares já apontam o aumento da reincidência do uso após a alta de uma internação compulsória em comparação a internação voluntária. Mas acredita que outras experiências são possíveis. “O consultório na rua é uma proposta fantástica que tem tido excelentes resultados. Devemos, enfim, investir nas modalidades de atenção que tem apresentado bons resultados e deixar de lado as que violam os direitos”, avalia.
 A SORTE DE TER ANJOS
A vida de Guilherme Bezerra Walraven percorre trajetória similar a de muitos dependentes químicos. Mas quem ouve essa história, que já foi narrada em O POVO, em 2011, pode estranhar que tanto tenha acontecido a um jovem de apenas 27 anos. Hoje, a energia que já foi gasta acendendo cachimbo ele usa no Instituto Caminho da Luz, clínica de reabilitação da qual é proprietário desde 2012.

Como tantos, Guilherme, estudante de Psicologia, tem origem na classe média, porque o crack não domina apenas favelas. Chegou a dormir na rua - inclusive na Cracolândia paulista, enrolado em um lençol junto a outros “zumbis”. Furtou, foi preso, vendeu droga sintética, fugiu de internação - não nessa ordem nem apenas uma única vez. Enganou os pais e a si mesmo em diversas situações. O fundo do poço foi quando tentou suicídio.
Depois de seis meses em tratamento e dois anos trabalhando no Instituto Volta Vida, quis voltar e ganhar o mundo. “Eu tinha um ex-interno que partilhava da mesma vontade de começar um projeto”. Juntos, conheceram o espaço no bairro da Precabura que depois ele passaria a administrar. “Minha mãe (Diva Bezerra, que acompanhou a entrevista) sempre disse que eu tenho a sorte de ter anjos”. O anjo era a agora amiga Maria do Carmo de Carvalho, que trabalhava voluntariamente no lugar.
Quando a dona quis fechar o espaço, eles juntos assumiram a missão de continuar. Hoje, o Instituto Caminho da Luz tem 20 pacientes, que veem no dono uma inspiração. A primeira foi Maria, senhora de 50 anos que Guilherme conheceu nas ruas, no vício. “Eu prometi que, quando conseguisse sair, ia ajudá-la com tratamento um dia”. Maria perdeu os pais e tem perdido os filhos para o crack. Mas se mantém limpa, coordena a cozinha e hoje possui salário próprio.
 O sonho é de continuar e ampliar a clínica. “Um dia, quem sabe, ser um modelo de clínica. E quero ter outra, mas como projeto social, sem fins lucrativos”, projeta. Guilherme se descreve como resultado da persistência - da família e de outras pessoas que acreditaram nele. “Para a sociedade, digo que nunca desista do ser humano. Para os dependentes, repito uma frase de um conselheiro que faz parte da oração de São Vicente: ‘quem não vive para servir, não serve para viver’”.
Serviço
INSTITUTO CAMINHO DA LUZ
Contato: 3476 3754 | 9744 1516
A PALAVRA DEUS
Francisco Hélio hoje, aos 35 anos, quando percorre o caminho de casa, na Comunidade das Quadras, lembra dos becos que usava para fumar crack. “Eu já cheguei a dormir nesse cantinho”, aponta. A droga ele começou com 15, mas o crack só chegou depois. Tudo fruto da curiosidade. Foram sete anos no vício, até os 28.

“Antigamente, cocaína era só com os ricos. Então, quando o crack chegou nas favelas, foi ganhando espaço, porque o efeito é em 10 segundos. É você fumando um aqui e já pensando no dinheiro para comprar outra pedra, que custa uns R$ 5”, descreve. Quando começou a vender as coisas de casa, conta ter tido noção que não dava mais para continuar lá.
O momento mais difícil foi quando contraiu tuberculose. “Eu tomava remédio para me drogar”. Foi no Centro de Recuperação Leão de Judá que ele começou a mudar o rumo que, segundo a mãe, dona Fátima, o levaria à morte. Foram quatro meses e dez dias, período menor que o normal. “Se você não tiver algo em que sustentar, você recai. Para mim, foi a palavra de Deus”
Hoje, Hélio, que é irmão do presidente nacional da Central Única das Favelas (Cufa), Preto Zezé, trabalha como porteiro e alimenta sonhos. Realiza um trabalho de prevenção e aconselhamento junto a detentos em unidades prisionais na Região Metropolitana. “Só em ver a gente eles já ficam com lágrimas nos olhos. Nós levamos a palavra e falamos que eles precisam valorizar a liberdade quando saírem”.
As vontades de Hélio daqui pra frente somam construir um lar, ser inspiração para outros e um dia, talvez, escrever um livro, revela meio tímido. “Às vezes, as mães daqui me chamam para incentivar os filhos, vou lá e aconselho, nesse momento é que eles precisam mais de atenção”.
RECAÍDA
No meio de quem quer sair do caminho do crack também existem as recaídas. A tese da psicóloga e doutora em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rosemeri Pedroso, apontou que 50% dos jovens dependentes recairam até 10 dias após a alta e 34% precisaram retomar o tratamento na rede pública.   
Entre o grupo de adultos, 43,4% tiveram de se reinternar até cinco vezes ao longo de três anos. A pesquisa demonstrou também que um terço dos usuários de drogas se envolve com a prática de crimes durante o período de três meses. A amostragem envolveu mais de 300 adolescentes e adultos. Os motivos, cita Rosemeri, inclui a volta para onde há facilidade para recair, sem emprego e chances para o envolvimento com o crime, entre outros fatores de um contexto desfavorável. “Assim, não se espera que o usuário de crack volte à sua condição original anterior ao uso da droga, mas que desenvolva novas estratégias para lidar com as suas dificuldades acerca da droga e a problemática associada”, afirma Rosemeri.


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